sábado, 18 de outubro de 2014

Programa do MEC que busca graduar professor sem diploma tem evasão de 52%


Por Davi Lira - iG São Paulo 

Ao custo de R$ 530 milhões, Parfor não vai atingir meta de formar 330 mil docentes; no País, 25% ainda não tem diploma

Divulgação/UFT
Laboratório de informática usado pelos docentes do Parfor na Federal do Tocantins
Criado com o objetivo de graduar em licenciatura o docente da ativa que dá aula, mas não tem formação em nível superior, o Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) não tem conseguido alcançar as metas traçadas pelo governo federal. O índice de vagas ociosas ofertadas na modalidade presencial chega a 50% e a evasão dos professores matriculados no curso oferecido à distância é de 52%.
Implantado pelo Governo Federal em 2009, o Parfor tinha como meta diplomar 330 mil docentes em todo o País até o final deste ano. O objetivo, contudo, não será cumprido segundo fontes oficiais consultadas pelo iG. A posição global de professores diplomados pelo programa, no entanto, não foi fornecida à reportagem pelo Ministério da Educação (MEC), nem pela Fundação Capes – autarquia da pasta responsável pelo Parfor. Hoje, mais de 70 mil docentes frequentam o curso.
A pouca tradição da Capes na condução de políticas envolvendo a educação básica é apontada por especialistas como uma das possíveis causas para o quadro atual do Parfor. Segundo documento ao qual iG teve acesso, a própria Capes chegou a informar ao Tribunal de Contas da União (TCU) que possui uma "cultura organizacional ainda refratária ao trabalho com a educação básica e o ensino a distância".
No documento, emitido no dia 31 de março de 2014, a fundação ainda coloca como uma das suas fragilidades a serem superadas a "ausência de governabilidade pela Capes na política de formação de professores". No relatório – referendado pela alta cúpula –, o órgão também afirma que há "sobreposição e/ou falta de clareza das atribuições em educação entre a Capes e determinadas áreas do MEC."
Prevista como uma das ações focadas na melhoria da educação pública do País, a formação em nível superior de todos os professores de nível básico é uma das propostas colocadas pelo Plano Nacional de Educação (PNE).
Atualmente, segundo dados fornecidos pela ONG Todos pela Educação a pedido da reportagem, 25% dos professores da educação básica do Brasil não têm curso superior. No ensino médio – gargalo do País –, 51,7% dos docentes não têm formação na disciplina que lecionam. O Parfor também é direcionado a professores que atuam em uma área diferente de sua formação, além de profissionais já formados mas que não têm título de licenciatura.
Tendo como os principais beneficiários os professores das redes municipais, o programa já consumiu, entre 2009 e 2013, cerca de R$ 530 milhões de recursos públicos, segundo dados da própria Capes, presentes em relatório divulgado em 18 de setembro deste ano.
Evasão
Enquanto a oferta na modalidade presencial tem tido atração abaixo do esperado junto ao público-alvo do programa, a modalidade a distância é ainda mais preocupante. Segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação, dos cerca de 18.310 professores que se matricularam no Parfor à distância até novembro do ano passado, 9.610 (52%) resolveram desistir do curso. O índice é semelhante à posição de 2012, quando 51% dos 17.611 matriculados evadiram.
Divulgação/UniBH
Para Claudio de Moura Castro, ex-diretor da Capes, evasão no Parfor a distância é alta
"São índices bem altos para um programa que é focado no professores, que já têm uma disciplina maior para os estudos", avalia o especialista em educação Claudio de Moura Castro, ex-diretor da Capes.
De acordo com Stavros Xanthopoyloso, diretor executivo do FGV Online – referência no Brasil – a evasão é alta para um curso "direcionado". "Nos nossos cursos de pós-graduação a distância, a evasão fica em torno de 11%", diz.
Razões
A baixa atratividade da carreira docente, a desarticulação dos entes federados (União, Estados e Municípios) e dificuldades no início do programa com a inscrição na Plataforma Freire – ambiente virtual de cadastramento – estão entre algumas das causas que também podem justificar o alto número de evasão e a baixa procura, segundo apurou a reportagem. 
"O professor já está assoberbado de carga horária. No entanto, sabemos da dificuldade das secretarias de educação em reduzirem a carga horária dos docentes, para que eles possam se dedicar ao curso. É complicada a vida do professor", diz Henrique Pequeno, coordenador-adjunto da Universidade Aberta do Brasil (UAB) na Universidade Federal do Ceará. É a UAB que disponibiliza o curso a distância.
Para buscar resolver esse impasse, especialistas sugerem um maior entendimento entre governo federal e os estados e municípios, para que a liberação dos professores ocorra de forma mais efetiva.
Ainda segundo Pequeno, a estrutura dos polos dos cursos também deve ser melhorada. "A estrutura de internet deve ser melhor e os laboratórios precisam ser mais bem equipados. Mesmo tendo bons polos, sabemos que há muito o que fazer em outros espaços espalhado por todo o País", diz o representante da UFC, defensor do programa.
Reprodução/TV Univesp
Ocimar Alavarse da USP diz que 'é preciso mais atenção na organização dos cursos'
O "choque" dos alunos-professores que voltam para a "escola" depois de anos afastados de cursos do gênero é outro fator que tende a impactar os índices de evasão. "Você está formando alguém que já trabalha. Isso exige mais atenção para a organização dos cursos. É preciso ter um acompanhamento mais de perto", pontua Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).
Há críticas de que parte do conteúdo e abordagem de cursos de formação de professores, como o Parfor, não reflitam a realidade vivida na sala de aula dos docentes participantes, o que faria com que os docentes não enxergassem uma função prática que poderia ser aplicada em suas atividades pedagógicas.
Já a posição do presidente do Instituto Alfa e Beto (IAB), João Batista Oliveira, chega a ser mais crítica. Segundo ele, o Parfor “é mais um puxadinho". "O fato é que não temos um modelo de formação de professores que leve os docentes a saírem dos cursos sabendo o quê, e como vão ensinar. Com ou sem diploma, os professores não estão dominando os conteúdos. Precisamos mudar os critérios de formação e recrutamento dos docentes", defende Oliveira.
EBC
MEC e Capes optaram por não se posicionarem diante dos dados do texto
Outro lado
Procurado pela reportagem, o MEC optou por não se posicionar sobre os pontos levantados pelo texto. Todas as questões foram apresentadas à pasta, mas o ministério informou que não vai se manifestar sobre o caso.
A respeito da meta de formar 330 mil docentes até 2014, o Serviço de Informação ao Cidadão da Capes – que forneceu os dados de evasão – disse apenas que "ao longo do processo de implementação do Parfor, essa meta vem sendo revisada ano a ano para adequar-se às necessidades das redes estaduais e municipais de educação".

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